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Bike Azores

A experimentar o verdadeiro sentido da palavra liberdade!

25.10.15

BTT, sobe e desce...


Rui Pereira

Estes dois textos foram escritos isoladamente em 2013, numa altura em o BTT dominava as minhas saídas de bicicleta. Há meses que não ando de BTT, daí ter recuperado os textos em questão, que julgo refletirem algumas das sensações que se vivem nesta cativante vertente do ciclismo... Num verdadeiro estado de fluxo!

 

A subida!
Olho para o alto tentando vislumbrar o fim daquilo que tenho pela frente. As curvas impedem-me de o fazer. Acelero ligeiramente a pedalada. O polegar direito move-se rápido e repetidamente sobre a alavanca das velocidades, na tentativa de encontrar a desmultiplicação ideal. Flito os braços e aproximo, o mais que posso, o peito do avanço. Sinto o peso da inclinação nas pernas enquanto o tubo de selim range à maior pressão que exerço. Mesmo equipado com plataforma, o amortecedor não consegue esconder um oscilar ritmado do seu veio, ao contrário da forqueta que exibe todo o seu curso, só fletindo ligeiramente à passagem de alguma depressão mais acentuada. Ocasionalmente estes obstáculos fazem-me erguer do selim e acelerar a marcha. Logo volto à posição inicial já que a borracha traseira reclama a fraca aderência. Progrido lentamente no terreno acidentado escolhendo a melhor linha com pequenos golpes de guiador. A minha respiração é agora ofegante e bastante audível, como que a tentar acompanhar ou superar o ritmo da pedalada. Sinto o coração a bater aceleradamente. Tenho a corrente na posição central à frente e na posição mais elevada atrás. Não quero ceder, não posso ceder agora. Avisto o topo da subida, o que me faz aumentar a cadência numa tentativa de acabar rapidamente com o sofrimento. No topo, respiro fundo duas ou três vezes, de alívio e como forma de normalizar a respiração. Levo a mão à garrafa. Reduzo algumas velocidades e rolo lentamente em plano. Num esgar emito um sonoro – Caraças! (17/04/2013)

 

Porque o que sobe também desce... A descida!

Inicio a marcha por um trilho algo tortuoso. De pé, posiciono o meu corpo o mais à retaguarda possível, no limite dos meus membros. Revelo alguma apreensão e até receio, mas tento que não me turvem a visão e me estorvem a concentração. Ergo ligeiramente a cabeça e foco mais longe. Fico com uma visão mais ampla e preparado para poder antecipar algum movimento. É fácil cair na tentação de olhar apenas para o que se passa junto à roda dianteira. Estou tenso. Sinto o toque ritmado das folhas de conteiras molhadas, que me arrefecem as pernas. Ouço os pequenos galhos quebradiços cederem à minha passagem. Ouço as derivas da corrente de transmissão e o característico som dos pneus, enquanto, ora se afundam na lama, ora galgam pedras. Os meus dedos indicadores afagam os travões delicadamente, com ocasionais exceções onde a ação é mais incisiva, sob forma de conter o andamento. A forqueta denuncia o seu aturado trabalho. É notória a capacidade de perdoar a minha falta de perícia e hesitações do amortecimento total. E de digerir regos, pedras e buracos. Notória é também a forma como em determinadas situações a roda traseira parece ter vontade própria. Vontade de se erguer… no ar. Por sua vez, a mais delicada roda dianteira parece querer fugir debaixo de mim, o que me leva instintivamente a desencaixar o sapato do pedal e usá-lo como auxiliar, sob pena de perder a compostura, que é como quem diz, a posição vertical. Os pequenos sustos intercalam prazerosos momentos de velocidade, domínio e conforto. Fazer uma curva em apoio, sentir as rodas descolar do chão, controlar uma derrapagem mais prolongada, ultrapassar aquele obstáculo de uma forma muito mais simples e acessível do que era esperado. Com o final desta alucinante descida à vista, posiciono-me naquela que parece ser a melhor linha. Largo os travões e entrego-me ao deslizar da bicicleta. Com uma ligeira sensação de cansaço motivada pela concentração, a tensão dá lugar à satisfação. Desmonto e olho para trás, a perspetiva é diferente da inicial. É pena ser tão curta. Olho agora para o meu lado esquerdo. Lá está ela, a minha bicicleta. Encostada pelo guiador a um muro de pedra. Contrastando comigo, está impávida e serena como se não se tivesse passado nada. Como sempre! (18/04/2013)